Sororidade nas telas do cinema. Brígida Poli

Com a recente efervescência dos movimentos feministas temos visto algumas palavras "novas" ou pouco usais, como "empoderamento". Você já deve ter lido também a expressão " sororidade". Alguns podem ter se perguntado: que diabos é isso? O significado no dicionário é muito bonito: sororidade é a união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum. A origem da palavra está no latim sóror, que significa "irmãs". Este termo pode ser considerado a versão feminina da fraternidade, que se originou a partir do prefixo frater, que quer dizer "irmão". Depois desse "nariz de cera" fica claro qual o nosso tema da semana, né? Filmes que falam da amizade entre mulheres e que ajudam a derrubar preconceitos e estereótipos do tipo " mulheres não mantém amizades porque são ciumentas e invejosas ...". No meu caso, tenho amigas queridas de longuíssima data que desmentem essa bobagem. A elas, dedico esta edição como forma de agradecer pela amizade e o afeto. Bem, vamos aos filmes? Não esqueça de incluir os seus favoritos. BAGDÁ CAFÉ (direção: Percy Adlon- Alemanha -1987) Este é o meu favorito sobre o tema! Um encontro inusitado que vai de um início áspero e intolerante a uma linda amizade. Uma turista alemã, interpretada pela carismática Marianne Sagebrecht, é deixada pelo marido no deserto do Arizona depois de uma discussão. Sai arrastando a mala ( a de couro, não o marido...) até encontrar um lugar chamado Bagdá Café. Lá conhece Brenda (CC Pounder) que tinha acabado de colocar o companheiro para fora de casa. Jasmin é recebida com muita estranheza e irritação pela dona do bar que, além de tudo, tem filhos e um netinho para cuidar. Aos poucos, elas descobrem que são muito parecidas. A alemã ajuda a cuidar do bebê e a erguer o Bagdá Café. Ela também conhece um pintor ( Jack Palance) que mora no local e acompanhamos sua transformação enquanto é retratada: as roupas pretas vão desaparecendo, desaparecendo...até se desnudar metafórica e fisicamente. Cena linda !! De quebra, a canção de "Bagdá Café" é uma das mais conhecidas do Cinema: quem nunca sentiu um aperto no coração ao ouvir " Calling You"? THELMA E LOUISE (direção: Ridley Scott – EUA- 1991) Ai de mim se esquecesse de "Thelma e Louise" ! O filme de Ridley Scott – que já nos deu "Blade Runner" – virou um culto à liberdade e à amizade femininas. Sua estreia foi há mais de 25 anos, mas ele continua atual. Uma dona de casa (Thelma/Geena Davis), oprimida pelo marido, e uma garçonete solitária ( Louise/Susan Sarandon) resolvem viajar para se divertir durante dois dias. Thelma deixa um bilhete para o marido e parte...Durante a viagem elas encontram um jovem cowboy interpretado por alguém que se tornaria um dos maiores astros de Hollywood: sim, o lindinho magrela de "T&L" era o então desconhecido ...Brad Pitt. O problema é quando Thelma sofre uma tentativa de estupro por outro cara e é morto por Louise. Começa a fuga da polícia, a correria de carro até o final espetacular que prefiro encarar apenas como uma metáfora... TOMATES VERDES FRITOS (direção: John Avnet – EUA – 1991) A história de várias mulheres, contada no passado e presente, vai se entremeando. O elenco é brilhante: Kathy Bates, a esposa ignorada pelo marido; Jessica Tandy, a senhora que conta sua história e acaba mudando a postura submissa de Kathy diante da vida; Mary Stuart Masterson e Mary-Louise Parker, as amigas quando jovens. É um filme comovente, mas também nos faz rir. A cena em que Kathy se "vinga" de duas jovenzinhas que roubam a vaga dela no estacionamento é uma lavada de alma... VIOLETTE ( direção: Martin Provost – França – 2013) O encontro de duas escritoras no início do século XX acaba se transformando em amizade pela vida inteira: Violette Leduc e Simone de Beauvoir. Violette é incentivada pela grande filósofa francesa a vencer suas inseguranças e a escrever cada vez mais para enfrentar seus medos. De mulher pobre e depressiva, Leduc se transforma em alguém capaz de expor a intimidade feminina como raras vezes se viu, principalmente em tempos caretas. GINGER E ROSA ( direção: Sally Potter – Inglaterra/Dinamarca- 2012) Sally Potter não é uma diretora profícua, dessas que dirige três filmes por ano. Mas quando surge algum filme assinado por ela, já sabemos que não será uma história banalzinha. Foi assim com "Orlando-A Mulher Imortal", "Por que choram os homens" e "Uma lição de tango" ( que adoro e já falei para vocês em outra edição...). Aqui, ela conta a história de duas melhores amigas nos anos 60. Elas querem uma vida diferente das suas mães, mas a segunda guerra mundial e a entrada em cena do pai pacifista de Ginger vai estremecer o relacionamento de ambas. Os nomes mais conhecidos do elenco são Elle Fanning, no papel de Ginger, e Annete Benning, a mãe. OUTROS TANTOS: Le Amiche (Antonioni, 1955); Amigas para Sempre ( Gary Marshall, 1988);Queridas Amigas ( Istvan Szabo, 1992); Os divinos segredos da irmandade Ya-Ya (Callie Khouri, 2002) ... ------------------------------------------------ FORA DE SÉRIE GRACE E FRANKIE ( 4 TEMPORADAS – NETFLIX ) A série é uma comédia dramática deliciosa e está dentro do nosso tema: a amizade feminina. Grace e Frankie nunca foram com a cara uma da outra, mas seus maridos eram os melhores amigos. Um dia para surpresa de ambas eles anunciam que mantém um caso há vários anos e que pretendem se separar delas para casar um com o outro! Sabe assim " meu mundo caiu?"? Com tal reviravolta na vida, as duas acabam descobrindo que precisam apoiar uma à outra. Surge daí uma surpreendente amizade. Quem dá vida à Grace é Jane Fonda, enquanto Frankie é interpretada por Lily Tomlin (foto de abertura da coluna). A dupla é muito responsável pelo grande sucesso da série que já chega à quarta temporada. Os atores que interpretam os maridos gays também não ficam atrás: Martin Sheen e Sam Waterston, ótimos. Com o tempo as duas vão convivendo com as diferenças: Grace é mais "perua", Frankie uma "hipponga" que não se conforma com o marido ser gay e também deseja encontrar outro amor a qualquer custo. Quem assina a série é Martha Kaufmann, a criadora de um dos maiores sucessos da TV seriada :"Friends". O LIVRO QUE VIROU FILME "PENTIMENTO ( A HISTÓRIA DE JÚLIA") – LILLIAN HELMAN – 1973 Este é o segundo livro de memórias da escritora americana Lillian Helman. O primeiro se chamou "Uma mulher Inacabada". Em "Pentimento", ela conta passagens desde a infância, passando pelo seu relacionamento com Dashiel Hammet, -um dos mestres da literatura policial, perseguido durante o McCarthismo - até a história de Júlia que virou filme. Júlia era uma rica amiga de infância de Lillian que trocou uma vida confortável e burguesa pela resistência ao nazismo em Viena, nos anos 30. Ela conta o encontro com Júlia, a admiração pelo ideal da amiga e como a ajudou naquele momento de luta. A palavra pentimento é bem usada como titulo :"à medida que o tempo passa, a tinta vermelha em uma tela muitas vezes se torna transparente. Quando isso acontece, é possível ver, em alguns quadros, as linhas originais. Isso se chama pentimento, porque o pintor se arrependeu, mudou de idéia.". São imagens já meio apagadas, como acontece com nossa memória. "JÚLIA" ( direção: Fred Zinemann – 1977) Na adaptação para o cinema, Jane Fonda interpreta Lillian Helman e Júlia é vivida por Vanessa Redgrave, uma de minhas atrizes favoritas. Meio caminho andado para explicar o quanto gostei do filme na época. A partir de "Júlia" saí lendo toda a obra de Lillian e, por consequência de Dashiell Hammet, o grande amor de sua vida. O filme mostra que Lillian chegou a contrabandear dinheiro para ajudar a amiga Júlia a salvar vítimas do nazismo. Além das duas grandes atrizes, "Júlia" trouxe no elenco uma jovem que se tornaria uma das maiores estrelas do cinema americano: Meryl Streep. Filmaço! Referência Poli, Ema Brígida. Sororidade nas telas do cinema. Portal Making of, fevereiro de 2018. Disponível em https://portalmakingof.com.br/a_sororidade_nas_telas_do_cinema_sororidade

Comentários

  1. Sororidade é um sentimento, por um lado, e uma prática, por outro, que agrega as mulheres entre si e gera resiliência aos desmandos das leis, crenças e práticas machistas. Quando o atual gov. fed. altera a Lei Maria da Penha em favor dos homens, assume a crença na divindade que protege o "povo prometido" (discrimina pessoas e religiões), estabelece que podem usar armas os "homens de bem" (discrimina classes sociais pelo poder de compra) e deixa os trabalhadores morrerem por falta de vacina... Quando tudo isso acontece é hora das mulheres se unirem e lutarem pela AMOROSIDADE COM LIBERDADE junto a todas as camadas sociais e gêneros.

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  2. Os comentários sobre filmes têm grande adesão do público feminino. Comentar é tecer narrativas. Essas NÃO SÃO IGUAIS À REALIDADE, a exemplo dos depoimentos das autoridades que estão sendo inquiridas na CPI do meio milhão de mortos pela COVID 19 e suas variantes. O quero dizer é que a prática de "refletir em conjunto" é algo corriqueiro para as mulheres e que isso é um bom começo para retornar o diálogo democrático.

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