Palavra poética feminina sobre o amor. Edna Domenica Merola
Cora, Coração. 2011 |
I- Em botão
A aurora debruça-se
em minha janela
Do seu colo nu,
brotam lembranças
de você
Sob as copas das árvores,
Cantam canários,
Sussurra o vento
Doce acalanto
de suaves
recordações.
Um raiozinho de sol
Seca pequena gota de orvalho,
Minha percepção vê detalhes
de você.
Teu corpo pôr-do-sol
Teus olhos mares azuis
Teus braços caracóis
Teus cabelos, vermelhas labaredas.
Tua insistência me estonteia
Tua decisão me admira
Tua poesia me enternece
Teu pragmatismo me inveja
Teu estresse me preocupa.
Tua irritação me desagrada.
E você é mais
Do que eu percebo
E você é mais
Do que você percebe
E você é mais,
do que jamais
Alguém perceberá
E você é minúscula réplica do divino infinito,
E você é espiritual...
Transcendental...
Do encontro de nossos corpos
Abre-se uma porta
Estira-se uma ponte
Estende-se uma estrada
Fundem-se corpo e mente.
E é tão sublime,
Amor Maior,
Dizer frases obscenas,
Berrar, gemer, estremecer
E até adoecer
De medo
De ser fêmea em plenitude de repente.
Botão virando rosa
Simplesmente.
II- Num baile Carnavalesco
Homens... Muitos! Afoitos
Mulheres seminuas
Carnaval...
Alegria respirada no ar:
Como lança-perfume.
Fantasia de penas brancas:
Sou então uma índia brasileira.
Para um olhar azul
Retribuo sorriso meigo-sensual.
Inicia-se o ritual:
A dança paradoxal
Da aproximação de dois polos distintos.
Ataque ansioso – acolhida serena,
Beber muito – estar sóbria,
Dançar – descansar.
A dança paradoxal:
Compasso – descompasso,
Equilibrar copos – encontrar cadeiras,
Dançar – procurar.
No pique – repique,
Então acertamos o passo:
Carnaval ... compasso:
Passo com: – você
Você: – comigo.
Numa noite estrelada
Enluarada
Num baile carnavalesco,
Procurou-se: – alguém,
Perdeu-se: – a tristeza
Encontrou-se: – um menino bem crescido
Natural – como um índio.
– De fantasia de índia brasileira...
Sou então: – viva cachoeira.
Nesse instante em que o dia agoniza,
Raios de sol retidos no meu ventre
dançam como enormes serpentes.
O amarelo
que batia desesperadamente em minha vidraça
entrou e dourou meus cabelos.
E esse rosa exagerado
que ficou após a grande bola-ouro
penetrar o útero da terra
reflete o tom de minhas faces em fogo.
Uma brisa fresca acaricia meu corpo...
(Brisa auto correio: – trouxe-me lindas notícias do meu inconsciente)
Instantes de estranha magia,
Estes em que a noite copula com o dia.
Divino entrelaçar de elementos opostos,
Resfolegante luta entre brilhantes e opacos.
Enfim... Plenitude: a noite cavalga o dia.
é o momento incontestável
do orgasmo universal:
Astros brincando...
Estrelas despudoradas mostram-se todinhas!
E o véu negro da noite, ciumento,
Deixou só por poucos momentos
A lua nuazinha.
O sereno cai, umedecendo lírios silvestres,
Tal qual efeito de pudica orgia,
Nesse instante em que a terra ficou grávida
do calor de uma noite de alegria!
É noite. O silêncio é cúmplice do mistério.
A escuridão, irmã dos instintos,
permite a visão dos corpos celestes.
É noite. É permitido SER,
AMAR,
SENTIR PRAZER,
VER,
PENSAR,
ANTEVER,
TRANSCENDER...
É noite.
Animus e Anima buscam o Uno,
em seu leito Universal!
IV- Num Encontro
Farol vermelho, olhares oblíquos.
Convence-a a mudar de trajeto:
Um homem de branco
(insistente como um carrapato)
Ele faz o sedutor.
Ela diz não
(não quer ser presa de ave de rapina)
Sem acordo... Adeus...
.......................................................
Telefone toca.
Ela atende.
Do outro lado,
Carrapato branco jorra o vernáculo.
(Palavras em profusão não a convencem)
Mas de repente, Branco declara
querer ler suas poesias.
Gelo derrete.
Andorinha bate as asas
Voa ao encontro do gavião.
............................................................
Geladeira na sala.
Poesias.
Vinho alemão.
Dentro do armário há uma pia
Cuja torneira pinga sem parar.
São Paulo é fria
Dois corpos querem se aquecer.
V- Na mão
Amanhece...
Pequeno Grande Homem
Sai às ruas de branco,
Andando apressado,
Pasta na mão.
Pouca paciência,
Muitos ideais.
Grandes certezas,
Enormes convicções:
– Importante ter status...
– Necessário ter amigos...
– Impraticável casar...
É noite...
Pequeno Grande Homem
Volta pra casa cansado,
Andando apressado,
Pasta na mão.
Mais um dia na metrópole desvairada
Mais um dia de pequena paciência,
de grande certeza de homem ideal.
Pequeno Grande Homem também tem sonhos
Dúvidas, angústias, confusões
Então fala sobre eles
com ausente azul olhar
sem pretender resposta
do surpreso interlocutor.
Pequeno Grande Homem:
ora lúdico, ora em concentração,
Sempre insistente,
Pedindo muita atenção.
Após tanto labor...
tem fome,
voracidade de pessoas,
Sede de amor...
Pequeno Grande Homem
Procura uma fêmea apressado,
Buscando calado,
Sem nada na mão.
VI – No encontro - terra
Aproximamo-nos de mansinho.
Meu coração bate descompassado,
Na expectativa de que me abras a porta do teu.
Deixas apenas uma fresta
E por ela vem tênue luz
Que me convida para encontro.
Titubeio...
Entrar e sentir tua aceitação-rejeição?
Ficar adorando fantasias passadas?
Escolho correr o risco.
Persigo a luz envolvente.
Enfim conseguimos contato,
Por apenas um canal.
Por ele me expresso inteira:
Vivo o mítico encontro-terra,
Instintivo, universal.
Serpenteamos,
buscando o fruto do prazer
...........................................
..........................................
Ah! Doce êxtase!
Do teu corpo emanam raios do teu fluído vital.
Bebo tua luz
Sugando e emanando energia,
Nesse círculo envolvendo nossos corpos.
Então dá-se a gênese:
Estrondo atômico,
E silêncio de vácuo.
Cumpre-se a lenda:
– A maçã foi comida...
Até a semente!
VII - Em Transfusão
Teu corpo é aurora no campo orvalhado,
É relva macia, é feno molhado,
É favo de mel.
É santuário de essência imortal
É depositário de fluído extra-sensorial
É início de uma escalada dolorida
É fim e princípio de vida.
Teu corpo, moreno, é pôr-do-sol,
É lusco-fusco vestido de translúcida fantasia,
É convite para uma noite de orgia,
É delicada concupiscência e estranha nostalgia.
Teu corpo visto de longe, tudo bem!
Teu corpo sentido de perto é um vai e vem!
Mas que estranha irradiação é essa que estonteia?
Que doce troca magnética é essa que se esparge?
Só sei que, de repente, frio e calor
Tornam-se morno,
Verde e amarelo dão azul...
E, da dança de dois corpos
Funde-se uma aura unicolor.
VIII- Em Transmutação
A manhã é azul
A tarde rosa,
A noite negra.
Também sou:
Azul rosa negra
Transmutante
Sou azul,
Gaivota cintilante,
Semeando lírios, no céu.
Azul, no amor universal
Azul, no enfoque existencial
Azul transcendental.
Sou cor de rosa,
Na esperança do amor,
No enlevo,
Na gratificação do aconchego.
Sou cor-de-rosa choque
No êxtase borbulhante
De dois corpos, no encontro.
Sou vermelho
E vermelho escuro
E negro.
Numa gradação contínua,
Que vai dos instintos aceitáveis banais
À sombra fria do desconhecido.
IX- Nos bares
Era mulher, na roda dos bares
Dos nomes calados, na roda, sem lares.
E a musa murchou
E o vento levou
Bons moços sem,
Bem moças zen
bailando pesares.
E a onda passou...
E o foco mudou...
E quando puderes,
Na roda sem pares
Dos nomes casados,
Dos rostos calados,
Na roda de andares,
Recorda os passares
Recorda os cantares
Recorda os sonhares.
REFERÊNCIA
MEROLA, Edna Domenica. Cora, Coração. Nova Letra, 2011.
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