Uma cartinha para você. Edna Domenica Merola.
Escrevo-lhe porque estou desencantada.
– Motivo?
É que me encontro em local próximo da ponte que partiu.
– Que ponte?
A ponte que unia ficção e realidade de maneira
consciente de ambas. A ponte que usava signos e construía utopias.
– O que são utopias? – perguntarão seus netos.
Você bem o sabe e talvez lhes responda. Ou não.
Escrevo-lhe porque talvez você possa cuidar um pouco
desse meu desencanto.
Sim, vou lhe fazer um pedido: que escreva um conto sobre
um moto boy que não seja pego pela injustiça trabalhista, nem por um carro
dirigido por um motorista bêbado, um estresse profundo, uma desnutrição, um
inquérito.
Quero lhe pedir que invente uma história para que eu
conheça a vida desse ser vivendo em paz e dignidade (que já lhe conheço o lado
sobrevivente a duras penas).
Quero que me escreva um conto em que o moto boy
protagonize uma vida de verdade e não seja arrolado como boi de piranha.
Escreva-me uma história para me encantar de perplexa
alegria de poder testemunhar novamente tempos de sonhos... vocacionados a parir
utopias.
Aguardo sua encantadora resposta,
Desencantada.
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