Des-foque. Rosilene Souza

 


des-foque

 

esfrego os olhos na tentativa de enxergar nitidamente. me aborreço! novamente, esfrego os olhos. inútil ilusão, penso! sim, inútil, inútil, inútil, ... mil vezes inútil. quanto mais esfrego, mais embaçados ficam. aí, lembro que justamente hoje, logo hoje, esqueci de colocar as lentes. na pressa, não peguei os óculos. e agora? como fazer para ENXERGAR, OLHAR, VER o letreiro do ônibus na minha frente? me sinto perdida sem as minhas muletas visuais. para piorar a situação, começa a chover. o desespero aumenta, as horas voam e continuo aguardando o transporte. pessoas vem e vão e não fazem a mínima ideia do meu sofrimento visual. bem feito pra mim, quem mandou ser desatenta? assim, tento me enganar com estes pensamentos.

espera! uma pessoa senta ao meu lado. que medo! e agora? estamos sozinhas neste ponto mal iluminado e ermo. que dia! que dia! meus pensamentos gritam de pavor. ela começa a mexer na bolsa.... resmunga.... olha na minha direção. levanta. resmunga novamente. socorro... aproxima da luz. revira a bolsa novamente. encontra o que procurava. dá uma gargalhada. fica de frente pra mim. tira o objeto pra fora. não consigo ver o que é. a minha visão não permite e o medo me cega. caminha ao meu encontro. socorroooo... o que fazer? pra onde correrrrrr. estou desesperada. levanto com muito esforço e com a intenção de fugir. ela percebe. segura o meu braço e num gesto rápido e firme mostra uma caixinha. sua voz doce e serena, em contraste com a gargalhada, me acalma. respiro aliviada. ela abre a caixinha e entre lágrimas e sorrisos pega um objeto que não consigo identificar. no mesmo instante, ela fixa seu olhar pra frente e dá sinal para o ônibus. guarda o objeto e sem olhar pra trás entra no veículo. fico sem saber quem era aquela mulher, o que queria mostrar e o mais terrível permaneço sozinha no ponto aguardando a minha vez de embarcar.

 

rosilene souza

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