Macabéa e eu. Esni Soares.
Escrever algo a respeito de Macabéa (de Clarice Lispector em A Hora da Estrela) uma personagem tão emblemática, sobre a qual tantos estudiosos já se debruçaram, é um desafio e tanto.
Esta personagem por muitos estudada
cruzou as páginas dos livros, chegou às telas do cinema, com a adaptação de
Suzana Amaral e roteiro de Alfredo Oroz (1985), e marcou a vida de inúmeros
leitores, em tempos passados e presentes. E certamente marcará no futuro. Mas por que uma
obra escrita em 1977 ainda chama a atenção de muitos leitores? Por que Macabéa
ainda fascina e intriga tanto as pessoas?
Não sou escritora, nem uma
estudiosa de literatura, então vou me ater à minha experiência como alguém que
ficou impressionada com a personagem desde a primeira leitura.
Macabéa representa tantas mulheres pobres, sem estudo, sem amor, sem perspectivas de mudar sua situação na sociedade.
Senti desde o começo da leitura que essa personagem me representava. Também fui uma menina de família pobre, que saiu de casa aos 17 anos e foi para a cidade grande para conquistar seus sonhos. A diferença é que eu tinha um pai, tinha uma família, que me apoiava na decisão de ir em busca dos meus sonhos. O apoio, no entanto, era apenas moral, porque dinheiro não havia. Somos 7 irmãos, eu sou a segunda filha. Meu pai mal dava conta de sustentar a família e minha mãe, esquizofrênica, cuidava das crianças como podia. Assim fomos criados meio que soltos na vida, nos virando como podíamos desde pequenos.
Comecei a trabalhar de babá aos 10
anos, era uma criança cuidando de outra, e desde então nunca parei. Trabalhei
de babá, diarista, empregada doméstica e, antes de vir para a cidade grande,
trabalhei em uma fábrica de biscoitos. Estudava até as dez e meia da noite e
depois ia para a fábrica, onde trabalhava até as seis horas da manhã. Mas já
nesta fase eu já sabia que minha única saída estava nos estudos. Não dando
conta desta rotina, por fim pedi ao meu pai para vir trabalhar na capital, para
poder estudar.
A luta na cidade grande para sair
do anonimato, para ser vista, marcar presença, para ser alguém, foi muito
grande.
Fui trabalhar em casa de família
como empregada doméstica. Era um casal de idosos, com quem fui morar. Tratavam-me
bem. Claro que tinha o quartinho dos fundos para a empregada, mas podia comer
na mesa junto com a família. O problema eram os parentes, que sempre faziam
questão de humilhar e dizer que eu era apenas a empregada.
Mas uma das frases que eu mais
ouvia era: “Para quem veio de onde você veio, chegar até aqui está bom!” Isto significava
concluir o ensino médio, apenas. Ou seja, as pessoas não me viam fazendo uma
faculdade, tendo uma profissão, realizando meus sonhos e construindo meu mundo.
Remando contra as perspectivas,
terminei o ensino médio e passei no vestibular para cursar Biblioteconomia, mas
sempre com muita dificuldade, pois além de estudar, sempre tive que me
sustentar, sempre trabalhei o dia todo e estudei a noite.
Hoje tenho minha família, marido e
dois filhos, casa própria e alguns bens, frutos de nosso trabalho. Dá para
dizer que ao contrário de Macabéa, eu consegui vencer na vida.
É isso o que mais impressiona na personagem, ela representa pessoas de verdade, pessoas que são totalmente invisíveis para a sociedade. São pessoas que não são protagonistas da própria vida, pois não conseguem construir sentido e significado para sua própria existência.
Vejo hoje macabéas que vivem com
uma miserável aposentadoria, que mal dá para pagar os remédios, que precisam
optar por pagar o aluguel ou comer. Vejo também macabéas jovens, que se
acostumam com uma vida de pobreza e não conseguem encontrar meios de mudar de
vida.
Macabéa
nos toca, porque toca na ferida, toca onde dói, toca na alma de tantos
brasileiros e brasileiras que apenas respiram, vivem um dia após o outro sem se
dar conta de que há opções de mudar, mas para isso é preciso começar. E o
começo passa por ter consciência de sua própria existência e das
ações que podem mudar sua realidade.
Para
quem quer conhecer mais sobre o livro, as personagens e estudos sobre ele, listo
a seguir alguns artigos interessantes:
Aldenise
Francisco de Souza (2015)
A
HORA DA ESTRELA: UMA ANÁLISE DA PERSONAGEM MACABÉA.
Trabalho
de conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Letras, da
Universidade Estadual da Paraíba.
A
pesquisa tem como objetivo analisar a caracterização da personagem Macabéa.
Essa personagem apresenta múltiplas significações e especificidades que são
desconsideradas pelo narrador Rodrigo S.M., que mostra Macabéa como sendo uma
mulher incompetente, incapaz, que não tinha consciência da própria existência.
Porém, no decorrer da narrativa a personagem mostra-se através da sua própria
realidade, pois encontramos em Macabéa questionamentos, observações e reflexões
acerca da condição humana.
Gleyda
Lucia Cordeiro Costa Aragão, Carlos Augusto Viana da Silva
MACABÉA
E GLÓRIA: UMA ANÁLISE DAS PERSONAGENS FEMININAS EM A HORA DA ESTRELA DE CLARICE
LISPECTOR E SUZANA AMARAL
(XI
Encontro de Pesquisa e Pós-Graduação da UFC 2018)
Longe
de tentar estabelecer uma hierarquização das obras analisadas, este trabalho
pretende fazer uma análise da construção das personagens femininas nos dois
meios semióticos, focalizando sobretudo as questões relativas a corpo e
discurso.
A
partir da leitura do texto fonte e da análise da obra cinematográfica,
pretende
demonstrar como as personagens femininas são aceitas e valorizadas pela
sociedade a partir de seus atributos físicos, bem como sua capacidade de argumentação
e como estes fatores impactam no sucesso pessoal e profissional das mesmas. Por
se tratarem de personalidades aparentemente opostas, as duas personagens se
portam de maneiras distintas nos vários contextos sociais em que
elas
aparecem na trama. Neste estudo comparativo, analisarei a partir dos recursos e
limitações de cada meio a forma como esses aspectos foram retratados no livro e
no filme.
Darlene
Silva Santos Santana (2018).
UMA
LEITURA DA PERSONAGEM MACABÉA: A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO A PARTIR DA LINGUAGEM
Dissertação
(mestrado)
Este
trabalho tem por objetivo analisar a personagem Macabéa, de “A hora da Estrela”
de Clarice Lispector, e suas dificuldades com a linguagem, partindo da
observação da literatura em seu caráter de representação social e da linguagem
enquanto sustento da constituição do sujeito. Considera-se a Literatura como a
arte das letras que torna possível a percepção sensível de uma dada realidade.
Entende-se por linguagem toda forma social de comunicação e de significação,
portanto todo elemento estruturador da relação do homem com a realidade. Para dar
conta de sua proposta, este estudo divide-se em três capítulos: a literatura e
sua função social, apresentando a personagem Macabéa em suas características
literárias e humanas em seu contexto; a potência da linguagem nos meandros da
vivência humana, apresentando a forma como Macabéa se relaciona com o
instrumento de interação e percepção do mundo; e a pobreza de Macabéa, situando
a personagem em um mundo de parcas interações humanas constitutivas de uma vida
de significados transcendentais.
Macabéa
é protagonista da obra, mas não protagonista da própria vida, pois vive em um
limbo impessoal marcada por sua pobreza de linguagem. A sua dificuldade em
relacionar-se com o outro implica num relacionamento superficial consigo mesma.
Macabéa não constrói sentido e significados para sua própria existência, nem se
atenta para as representações simbólicas que a rodeiam. Ela somente vive,
inspirando e expirando, inspirando e expirando
Prof.
Dr. Agnaldo Rodrigues
A
CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM MACABÉA EM “A HORA DA ESTRELA”, DE CLARICE LISPECTOR.
O
simples existir de Macabéa, paradoxalmente, a remete a uma simplicidade doentia
e dilacerante. Em nada consegue ver maldade, apenas vive por viver e não tem
coragem de fazer-se notar no meio ao qual está inserida, sofrendo privações, humilhações
e vendo como luxo o que é menos que necessário para uma vida digna.
O texto "Macabéa e eu", de Esni Soares aborda o preconceito em relação à acensão social e é escrito como depoimento localizado no universo feminino. Texto potente que expressa autenticidade e com sutileza narrativa abre caminhos para que a empatia guie seu leitor. Gratidão por compartilhar sua escrita no blog Palavra de Julinha da Adelaide Soledad.
ResponderExcluirEu que agradeço pela oportunidade e incentivo.
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