Análise de um poema coletivo por Edna Domenica Merola



Convido à leitura reflexiva do poema “Rosas Mortas de medo” escrito pelo coletivo de autores Antonio Gil Neto, Cassiano Silveira, Edna Domenica Merola, Gilberto Motta, Marlene Xavier Nobre, Rosilene Souza e Taís Palhares. Esta análise supõe que o “eu lírico” compartilha sua jornada introspectiva de dor, medo, esperança, renovação e reflexão perante o mundo em que vive (Brasil, 2025). 








Rosas Mortas de Medo Coletivo de autores A. Gil Neto, Cassiano Silveira, Edna Domenica Merola, Gilberto Motta, Marlene Xavier Nobre, Rosilene Souza, Taís Palhares 

Fui ao quintal e colhi
Cinco rosas mortas de medo
Extraí um espinho de cada
Um furo para cada dedo


Com Áqua vermelha nas mãos
Ocupei toda manhã, desde cedo
Pintei uma alvorada luminosa de aquarela
Tentando apagar o escuro do meu medo
(Cassiano Silveira)

 

Espinhos no pinho da cara de pau
Na rosa murcha do intestino
A podridão letal
Podridão mais que da carne:- putrefação de escórias
Espinhos históricos, mentiras e infâmias
Para sempre nas tristes memórias
(Gilberto Motta)

 

Fui ao Congresso e vi
Artistas mortos de espanto
Tirei fotos do que vi
E enviei a cada canto.
Com aquarela na mão,
Jejuava no telão
um deputado em missão
Contra o orçamento secreto
(Edna Domenica Merola)

 

Andei por memórias desabitadas, revi
Cenários da casa redesenhando luas
Avoado, desenhei-me então em asas
Revivi afoito: tantas histórias novas
Com olhos correntes mais um coração alado
Brinquei afoito, brinquei sem os minutos contados
Colhi frutos, semei rosas, todas as vozes
Retornei triste: tantos sonhos abandonados
(Antonio Gil Neto)

 

Fui na areia do mar
Admirei barcos de pesca
Ouvi o vento avisar
O outono aqui está.


Com os raios de sol no rosto
Apaguei lentamente a solidão
Vi o mar, a montanha
Apaziguar meu coração
Dei de encontro com o ser
Inútil, fútil, superficial
Olhos vazios, bolsos cheios
Fanfarrão, um iludir descaradamente
Sorriu solenemente, deixou-se fotografar
Quantas ilusões provocam
Em escrotos servos boçais
—Demônio nacional brasileiro!
(Taís Palhares)

 

Vozes ouço, por todos os cantos
Vozes ecoam, vozes falam
Vozes clamam por justiça, vozes vazias
Só o tempo nos responderá um dia
Somos semelhantes, somos sementes
Somos gentes, somos pensantes
Somos ignorantes, somos sólidos
Somos constantes, somos instantes
Ouça, não imaginei
Enxerguei lindos colibris
Flores e jasmins à luz da lua
Ofuscaram minha alegria
(brotaram sorrisos e fantasia)
(Marlene Xavier Nobre)

Rosas, rosas e mais rosas

Tão pálidas e tão espalhafatosas
Troquei-as por ilusões
Sopradas em bolhas de sabão
Caídas no chão
Ilustravam a imaginação
Dois sorrisos distraídos
Que evaporavam na contramão

(Rosilene Souza)


Esse texto combina elementos de poesia e prosa para expressar sentimentos e reflexões. Elencamos algumas categorias de análise úteis para sua interpretação:

 

1-            O poema inicia com o tema “Medo e Dor”: "Fui ao quintal e colhi/

Cinco rosas mortas de medo".

O “eu lírico” começa descrevendo uma cena simbólica, onde as "rosas mortas de medo" podem representar a perda de beleza e esperança devido ao medo.

Em "Extraí um espinho de cada / Um furo para cada dedo", a imagem dos espinhos e furos nos dedos sugere dor e sofrimento, possivelmente resultantes de experiências traumáticas.

2-            Tentativa de Superação:  "Com Áqua vermelha nas mãos / Ocupei toda manhã, desde cedo / Pintei uma alvorada luminosa de aquarela”. A ação de pintar uma alvorada luminosa sugere uma tentativa de superar o sofrimento e encontrar esperança. O verso "Tentando apagar o escuro do meu medo” reforça a ideia de que o "eu lírico" está tentando encontrar uma saída.

 

3-            Reflexão sobre a Dor e a Memória

 - "Espinhos no pinho da cara de pau / Na rosa murcha do intestino / A podridão letal": Essas imagens são fortes e sugerem uma dor profunda relacionada a vivências negativas.

- "Podridão mais que da carne:- putrefação de escórias / Espinhos históricos, mentiras e infâmias": O ‘eu poético” sugere que essas dores resultam de eventos históricos, mentiras e injustiças.

- "Para sempre nas tristes memórias": o “eu lírico” avalia que essas memórias dolorosas são persistentes e difíceis de esquecer.

 

4-            Crítica Social e Política

- "Fui ao Congresso e vi / Artistas mortos de espanto": faz crítica a uma situação político social que demanda um enfrentamento à injustiça.

- "Tirei fotos do que vi / E enviai a cada canto": O “eu lírico” documenta e compartilhar observações, para denunciar ou conscientizar.

 

5-            Renovação e Esperança

 - "Com aquarela na mão, / Jejuava no telão um deputado em missão / Contra o orçamento secreto": trata-se de um exemplo de fato ocorrido em Brasília, em 2025 que a acusa a necessidade de buscar transparência e justiça.

- "Andei por memórias desabitadas, revi / Cenários da casa redesenhando luas": O narrador parece revisitar memórias passadas e reimaginar seu passado de uma forma mais positiva.

- "Avoado, desenhei-me então em asas / Revivi afoito: tantas histórias novas": A imagem de desenhar-se em asas sugere liberdade e renovação, e "revivi afoito" indica uma revitalização ou renascimento.

 

Conclusão: Reflexão e Retorno

 - "Brinquei afoito, brinquei sem os minutos contados / Colhi frutos, semei rosas, todas as vozes": O narrador parece ter encontrado uma nova perspectiva ou liberdade, onde pode brincar e criar sem restrições.

- "Retornei triste: tantos sonhos abandonados": No entanto, o retorno à realidade traz uma sensação de tristeza, devido aos sonhos ou esperanças que não foram realizados.

- "Fui na areia do mar / Admirei barcos de pesca": Essa imagem final convoca a uma reflexão sobre o futuro, com os barcos representando jornadas ainda por vir.

 

Em resumo, o texto é uma jornada introspectiva que explora temas de dor, medo, esperança, renovação e reflexão. O narrador parece estar lutando contra seus medos e dores, buscando superar experiências negativas e encontrar uma nova perspectiva. A obra também contém críticas sociais e políticas, sugerindo uma conscientização sobre questões mais amplas.

 

SOBRE OS AUTORES

 

ANTONIO GIL NETO nasceu em Taiaçu, cidadezinha do interior paulista, em 1950. Graduou-se em Pedagogia e Letras. Ainda jovem, mudou-se para São Paulo, onde construiu sua carreira profissional na área da Educação. Atuou em projetos de formação de educadores e em publicações didáticas vinculadas ao ensino de língua. Autor de livros de literatura juvenil: A flor da pele e Cartas Marcadas, (Ed. Cortez/SP) e também organizador e autor de A memória brinca: ciranda de histórias do ensino municipal paulistano, (Imprensa Oficial/SP). No primeiro livro que escreveu – Brado Retumbante, (Ed. Olho d’Água/SP) – teve a graça de receber na contracapa generosas palavras de Paulo Freire. Participou da coletânea Tudo poderia ser diferente – inclusive o título, e-book Amazon, 2022. Autor dos livros de poemas “Inéditos, inexatos – uma coleção de água e vidro”, pela editora Folheando; “Sem saber o Amor” (Ed. Primata); “Desertos, Pássaros, Quintais” (Caravana Editorial); “Silêncios, seus estilhaços de seda” (Ed. Folheando); “Água, pedra, flor” (Mondru Editora).

 

CASSIANO SILVEIRA nasceu em Florianópolis/SC e reside em Palhoça (SC). Historiador, atua na área da arqueologia desde 2010. Entre 2016 e 2017 trouxe a público, através do Facebook, as tirinhas cômicas Os Cabeçudos, discutindo sobre o cotidiano de forma um tanto nonsense. Publicou artigos científicos: Os Caixões Fúnebres na Capela de Nossa Senhora das Dores: Uso e Tipologia (Revista Tempos Acadêmicos, 2012); e poemas: Cama de Mármore (Revista Poité, 2006), Velório e Olho-mar (ambos PerSe, 2021) e contos: Patos (InVerso, 2021), Os dois hemisférios da alma (Persona, 2021) e A perfeição (SENAI/CIMATEC, 2021), que lhe valeu menção honrosa no 1° Concurso Cultural Literatec – A vida numa sociedade tecnológica. Participou das coletâneas Tudo poderia ser diferente – inclusive o título, e corpo ao corpus (Rocha Soluções Gráficas, 2022), como autor, como responsável pela capa, projeto gráfico e diagramação. É autor do livro Sobre o medo, a morte e a vida, disponível em formato físico e também em e-book na Amazon.com.br. Em 2025, publica textos no Café Literário. Contatos Instagram @siano_silveira

 

EDNA DOMENICA nasceu, cresceu, estudou, trabalhou e se aposentou em São Paulo – SP. Bacharel em Letras, Psicologia e Pedagogia; especialista em Psicodrama e em Atenção à saúde da pessoa idosa, mestre em Educação e Comunicação. desenvolveu pesquisa sobre as aplicações do Psicodrama em oficinas de escrita criativa, parcialmente publicadas em Aquecendo a produção na sala de aula (Nativa, 2001) ede Relógios de Memórias – cartas de uma artesã da escrita (Postmix,2017). É autora de poemas: Cora, coração (Nova Letra, 2011) e de ficção em prosa:A volta do contador de histórias (Nova Letra, 2011), No ano do dragão (Postmix, 2012), De que são feitas as histórias (Postmix, 2014), As Marias de San Gennaro (Insular, 2019), O Setênio (Tão Livros Editora, 2024). Participou de várias coletâneas das quais ressalta as que comparece como organizadora: Tudo poderia ser diferente, inclusive o título (Amazon e-book, 2022) e Do corpo ao corpus (Rocha Soluções Gráficas, 2022). Em 2024 e em 2025, publicou textos curtos individuais e coletivos no Café Literário.

 

GILBERTO MOTTA nasceu e cresceu em um pequeno circo-teatro no interior de São Paulo. Formou-se em Jornalismo e virou repórter de rádio e TV, escritor e professor universitário. É professor-mestre e aprendiz da vida. Rodou mundos e, aposentado, vive em 2025, numa cabana que fica numa pequena pousada na Guarda do Embaú, SC. Publicou vários textos nas coletâneas: Tudo poderia ser diferente, inclusive o título(Amazon e-book, 2022) e Do corpo ao corpus (Rocha Soluções Gráficas,2022). Em 2024 e 2025, publicou inúmeros textos curtos individuais e coletivos no Café Literário.

 

MARLENE XAVIER NOBRE nasceu, cresceu, casou e teve três filhos em Florianópolis, SC. Mudou para São José,SC, e aí vieram os netos. Em 2016, os vários cadernos preenchidos com suas escritas e guardados ao longo dos anos passaram a ser vistos por ela com novo olhar devido a sua ida ao NETI(UFSC, campus Florianópolis) para cursar oficinas de criação literária que utilizava recursos como a dança grupal e espontânea ao som de músicas clássicas. Em 2017, logo após participar de uma coletânea organizada pela ministrante das oficinas, lançou seu primeiro livro solo: A meus queridos netos – cartas (Postmix, 2017). Em 2019, cursou outra oficina, desta vez na Biblioteca do CIC, em Florianópolis,onde conheceu o editor da coleção Palavra de Mulher – Nelson Rolim de Moura. Em 2020, lançou, naquela coleção, seu segundo livro solo: Lembranças e esperanças de uma mulher. Em 2022, participou das coletâneas: Tudo poderia ser diferente, inclusive o título (Amazon e-book, 2022) e Do corpo ao corpus (Rocha Soluções Gráficas, 2022). Em 2025, publica textos no Café Literário.

 

ROSILENE SOUZA, mineira, desenvolve pesquisa nas linguagens artísticas: colagem, escrita criativa,fotografia e deficiência visual. Investiga o excesso de imagens e escritas consumidas e produzidas na sociedade. Participa de exposições, feiras e mostras de Arte. Tem trabalhos artísticos e literários publicados em revistas, catálogos, blogs,sites e livros. Participou das coletâneas “Do corpo ao corpus”, organizada por Edna Domenica Merola, em 2022, e “Ninguém escreve por mim”, organizada por Claudio Carvalho, em 2024. Em 2025, publica contos e ilustrações no Café Literário.

 

TAÍS PALHARES. paulistana, participou do Ateliê de Escrita da Biblioteca do CIC – Floripa, SC – em 2019. É leitora de ficção que sabe o que quer. Em 2025, participou do Café Literário Notibras nos textos coletivos com os títulos: “Daqueles tempos distantes como “Baby, eu sei que é assim” “, “Do interior para a senzala da cidade… e um bebê do patrão”, “Conserta-se discos voadores”, “Do que você gosta? – Quem vive sem gostar sabe sabor do desgostar”, “Algoritmos de sangue – Ébrio, sóbrio, louco? Oco, revelo-me desfilando o sonambulismo”.


Comentários

  1. parabéns, as várias mãos que escreveram este poema coletivo.

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    1. Parabéns, Rosilene Souza, pela sua valiosa participação na escrita do poema "Rosas mortas de medo".

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